Postado por: Giro do Wal sábado, 15 de novembro de 2014

João, o Revelador


Eu nunca tive muito medo da morte, até porque para mim ela é circunstancial. Quando criança, uma tia avó acabou por aceitar o trabalho de cuidar de mim e do meu irmão, que havia acabado de nascer, por uns tempos. Apesar da minha família não ser Cristã, essa tia era protestante. Não me lembro de qual linha, sei que cheguei a ir um domingo, ou dois, na igreja dela.

                Acontecia uma vez por semestre esses festivais de sorvete com direito a evangelização e músicas destinadas ao rei Davi.

                Nunca entendi o motivo de tanto frenesi com os heróis do antigo testamento. Talvez por isso ela tenha me dado uma pequena bíblia. Eu li. Porque, olha só, desde que aprendi a ler, eu sentia prazer em sentar e ficar horas folheando tudo, de textos científicos da faculdade da minha mãe, dos quais eu mal entendia uma vírgula, a coisas um pouco mais pesadas, como a bíblia.

                Justamente por não ter tido essa criação Cristã dos meus pais, encarei aquele livro como mais uma obra de literatura. Havia beleza naquelas palavras. Era confuso, bonito e confuso. Pode ser que minha birra com poesia venha daí. Era tudo muito cheio de imagens e poucas delas eram claras.

                Confesso que me apaixonei pelo Apocalipse.

                Não sei se foi por ter sido escrito por um João ou se foi pelo conjunto da estória.

                Pensem bem, este homem – que na escola me mandavam escrever sempre com letra maiúscula – aparecerá. É como se ele fosse uma dessas pessoas que vão de casa em casa recolhendo nomes, mas no caso dele cada um será tratado de maneira diferente. Ele é juiz e júri. Imaginem ter de encarar toda sua vida. Sentir o peso de toda culpa sendo retirado da sua consciência e colocado em frente a você.

                Ninguém escapará.

                Não haverá tumbas e cachões que segurarão sua alma. Quando as trombetas tocarem e os anjos rasgarem os céus e os mares junto às bestas e catástrofes, este Homem decidirá quem deve ser liberto e quem sofrerá. Não existirá status e fortuna.

                Os cavaleiros trarão o inferno com eles.

                Ler essas palavras fazia com que os cabelos do meu braço arrepiassem. 

                Mas minha tia era categórica. Disse que eu ficaria louco se continuasse lendo o livro da revelação. Dizia: “Lê o antigo testamento menino! É mais bonito...” Claro que eu ficava chateado, porque poucas coisas conseguem ser mais chatas que um livro de ação mal escrito.

                Depois de um tempo ela parou de cuidar da gente, eu assumi a função de vigiar meu pequeno irmão e acabei me desinteressando por aquele livro. Não que tenha perdido o tesão em ler, é que a bíblia ficou chata, assim como toda poesia que falta verdade. 



João Bennett um quase goiano, quase ator, quase escritor, quase legal. Tenho direito de permanecer em silêncio, tudo que eu disser pode, e será, usado contra mim.
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