Meu pai vem de uma cidade que teve seu boom populacional agora, em 2014. Até uns dois anos atrás ela contava com 3000 habitantes, hoje já se soma pouco mais de 4000. É um número assustador para os meus tios e moradores mais antigos.

                Quando minha vó ainda era viva, passava algum tempo conversando sobre os costumes e como a vida era naquela cidadezinha do interior. Algumas coisas nunca entraram na minha cabeça, mas eu me lembro do medo que sentia da quaresma.

                Minha finada vó era muito católica e vivia a me contar causos que ocorriam nesse período. Enquanto criança, eram os quarenta dias mais longos do ano. Superavam de longe o dia mais torturante da terra, meu aniversário. Isso sem falar das noites.

                Antes das dez eu já estava em casa, de banho tomado, dentes escovados e pronto para me enrolar na coberta de retalho feita pela minha vó, foi presente dela para todos os netos. Ela quem fazia tudo, de cortar os retalhos em retângulos iguais a escolher o tipo de chita que seria o forro.

                Olha, eu nunca me senti tão seguro como quando estou enrolado com ele.

                Sim, eu ainda o tenho. Infelizmente está lamentável. Também, não se podia esperar outra coisa, depois de vinte e dois anos. É uma pena que às vezes nos esqueçamos de pequenos detalhes. Esse ano, por exemplo, nem vi passar, quando percebi já estávamos na metade da quaresma. Suspeito que só reparei no fato porque precisei ir ao mercado comprar papel higiênico.

                Aqueles ovos de páscoa...

                Ah!.. Se o chocolate não fosse tão inflacionado nesta época do ano...